Blog do Birner

Milagre concretizado; alma do futebol chuta o dinheiro na Premier League

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De Vitor Birner

Inigualável, por enquanto

O Leicester é a maior zebra da história de torneios relevantes de pontos corridos, após a implementação da era ultra-mercantilista do futebol.

Quando o Nottingham Forest conquistou o campeonato em 1978, as agremiações mantinham mais atletas que subiam das categorias de base, as contratações de montes de estrangeiros eram vetadas e a parte econômica tinha menor influência nos resultados.

O Nottingham Forest ficou na terceira colocação da divisão de acesso, atrás do campeão Wolverhampton e do vice Chelsea, subiu e naquela temporada ganhou a maior competição na Inglaterra. Emendou em seguida as conquistas de duas Ligas dos Campeões.

O Leicester não fará igual

O dinheiro não permite. É o imperador muitas vezes tirano do futebol.

Tomou conta de tudo, inclusive das emoções que não se constrange em suprimir para aumentar os lucros, como acontece muitas Arenas.

A própria Premier League, nas arquibancadas, perdeu alma.  O silêncio no Emirates em algumas partidas impressiona.

Em Highbury o clima era melhor.

Futebol é acima de tudo gerador de emoções. Para ser pleno precisa ter o jogo nas vozes dos torcedores e o que acontece dentro do gramado.

Opressão sob os aplausos de muitos

A grana criou monopólio das grandes 'marcas' no esporte. É quase impossível, em torneios de pontos corridos, as agremiações pequenas quebrarem a regra.

Manchester United, Manchester City, Chelsea, Arsenal e Liverpool tendem a ser hegemônicos na Premier League. Tottenham,  Newcastle, Everton e algum time que receber o aporte financeiro de milionário podem driblar os mais abastados ou eventualmente entrar na elite.

Os 'Foxes' não tinham como realizar o milagre. Na FA Cup, Copa da Liga e campeonatos com formato distinto da Premier League, ao contrário dos torneios de pontos corridos, sempre é possível que as zebras prevaleçam.

O futebol goleou as libras 

O Leicester, após quase ser rebaixado, contratou o então decadente Claudio Ranieri, que à frente da seleção da Grécia havia perdido das Ilhas Faroe.

Os destaques Vardy e Mahrez custaram, cada, menos de 1 milhão de libras.

Os 11 jogadores considerados os principais pelo treinador na épica conquista eram avaliados, antes do torneio, em cerca de 25 milhões de libras.  O volante defensivo Schneiderlein custou tal monta ao Manchester United.

O Chelsea pagou valor similar para tirar Pedro do Barcelona. O City investiu quase 50 milhões no Sterling. O Liverpool desembolsou 29 milhões por Roberto Firmino e 32,5 milhões de libras pelo Benteke.

Não adianta procurar incompetentes

Vardy, na temporada anterior, jogou 34 vezes na Premier League, fez 5 gols e 10 assistências. Nessa comemorou 22 e possibilitou aos colegas oito festejos.

Completará 30 anos em janeiro. Obviamente, nada indicava que seria inteligente investir no centroavante

Mahrez tem 25. Principal articulador do meio de campo e pilar no contra-ataque fundamental para agremiação superar toda a expectativa, inclusive de elenco, dirigentes e treinador, elevou muito o próprio desempenho.

Foram 17 gols e 10 assistências em 35 jogos.

Tinha, no torneio em que o time quase caiu, atuado 30 vezes, conseguido 4 gols e 3 toques desses para os colegas. Ninguém imaginaria que seria o craque da Premier League.

O volante Drinkwater, o zagueiro e capitão Wes Morgan – nascido na Jamaica – e a maioria dos atletas no elenco tiveram alta de futebol que não foi planejada.

Nem os acertos do treinador, capaz de implementar a proposta coletiva ideal, tampouco algo imaginado pelos cartolas, ou simplesmente a sorte nos jogos, explicam a façanha.

O Leicester, apesar de disputar torneio longo, que exige regularidade e por isso elenco com qualidade, foi quem mostrou futebol mais consistente.

Ganhador e símbolo do futebol

Todos têm méritos no elenco. Não exaltar tantas realizações seria quase maldade no esporte onde os acima da média nos gramados e fortes no marketing são dezenas de milhares de vezes elogiados quando brilham diante de qualquer time.

O 'impossível' troféu para a agremiação branca e azul, a melhora de tantos jogadores, o êxito do treinador em baixa, e o dinheiro sendo driblado por tudo isso iluminam o que há de mais profundo na alma do futebol, pois mostram que força coletiva supera o talento.

Quem afirma apreciar apenas os jogos onde aparece a chamada arte com a bola, na realidade não gosta ou entende o a essência do esporte mais popular.  Técnica é fundamental, admirável, elogiável, e precisa ser muito valorizada.

Mas não pode ser considerada a única referência estética do futebol.

O esforço coletivo de jogadores menos habilidosos, quando produz competitividade capaz de fazer frente aos abençoados por Deus com maior qualidade, é maravilhoso para quem realmente ama o esporte.  O Leicester representa isso.

Que seja, para sempre, aplaudido por mostrar que a enfraquecida alma do futebol ainda pode brilhar.