Doriva detonando o castelo de sonhos de Juan Carlos Osorio
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De Vitor Birner
Me coloco no lugar de Juan Carlos Osorio para imaginar o que pensou, caso tenha assistido ao Fluminense 2×0 São Paulo.
Deixou o clube com enorme carinho dos funcionários do CT da Barra Funda, incluindo a quase absoluta maioria dos atletas, por isso quer o sucesso deles. Além disso, é idealista na maneira de implementar a dinâmica de jogo e, por isso, ficou frustrado, triste, talvez indignado, se olhou a tentativa de Doriva colocar cores velhas e mofo na obra contemporânea que vinha criando.
O primeiro objetivo de um time gigante de futebol, ao entrar em campo, é ganhar.
O outro é conseguir da maneira como seus torcedores querem.
Não existe ninguém que, ciente da possibilidade de sua agremiação ficar mais com a bola perto do gol, prefere permitir que o rival inferior ou de nível similar na parte técnica, se imponha com troca de passes no ataque e tomae a iniciativa do jogo.
Necessidade, não convicção
Sou fã de sistemas de marcação fortes.
Aplaudo muito quando equipe como a Inter de Milão de Milito, Materazzi e Eto'o, apenas para citar um exemplo, perde um jogador por cartão e consegue parar o Barcelona de Guardiola, no Camp Nou, e se classificar à final da Liga dos Campeões.
Ali foi um choque de estilos realista, baseado em potencial individual e necessidade coletiva para, reitero, o time mais fraco atingir a, então, improvável conquista do torneio mais cobiçado na Europa.
Mourinho, relembro, colocou o camaronês em frente ao Maicon, como se fosse um ala defensivo em frente ao lateral, após ficar com um atleta a menos.
Não fez isso contra uma agremiação com elenco pior que o dos interistas
Escolha, não necessidade
Não há razão para o São Paulo se propor a atuar assim contra nenhum time do país.
Aqui, por causa dos dirigentes e da própria economia, falta de dinheiro para se montar um'Barcelona'.
Mas, por causa da filosofia de jogo de muitos treinadores e do apoio que recebem da opinião pública, não há sequer a possibilidade de prevalecer a ideia, que Osorio mostrou ser capaz de transformar em realidade, de jogar futebol moderno e ofensivo.
O amor pela obviedade
O primeiro passo de Doriva é a implementação do clichê, muitas vezes funcional, do que se faz, aqui, em quase todos os times.
O 4-2-3-1 conservador com flutuação, no máximo, dependendo do time, para o 4-1-4-1 [o volante atua na linha de quem fica na meia ], ou o 4-4-2 quando são formados os dois quartetos com uma dupla em frente.
O desenho tático nem é o mais relevante, pois em todos os esquemas citados podem ser ousados, dependendo da escalação e da dinâmica implementada pelo treinador.
Questão de filosofia
Há mais formas de atuar, como o próprio Guardiola mostra ou Luis Enrique fez, na última conquista de Liga dos Campeões, ao posicionar o Barcelona no 4-3-3 ofensivo e com marcação no campo de ataque.
Se o adversário tivesse a bola na frente, havia a 'flutuação' para o 4-4-2 com o recuo de Neymar ao meio de campo e a manutenção de Messi e Suárez adiantados.
O chile de Sampaoli, após iniciar, diante do Brasil, no moderno 3-4-1-2, foi alterado, ainda antes do intervalo, para o 4-3-3 e, assim, desmontou o ferrolho que Dunga tentou impor.
Entre os chilenos, havia apenas 3 atletas, em campo, que seriam titulares na seleção pentacampeã.
Um deles era o goleiro Bravo, que pouco pode interferir na dinâmica de jogo. A contribuição de quem atua nessa função se limita à capacidade no passe.
Os outros são Alexis Sánchez e Vidal.
Isso mostra o tamanho da importância da proposta coletiva e execução em alto nível dela.
Aquele 2×0 na estreia das eliminatórias foi uma vitória do presente contra o passado.
Coerente
Diante do Fluminense, Hudson jogou ao lado de Thiago Mendes, o que piora, em tese, a qualidade do passe de um dos volantes.
Impossibilitado de escalar Carlinhos ou Michel Bastos (o primeiro treinou na lateral antes de se machucar), o treinador poderia optar por Breno e até Wesley [não mostrou ainda futebol confiável, mas ao menos tem características para fazer a função], mas preferiu o 'roubador' de bolas.
Tem lógica a escolha se levarmos em conta a ideia que pretende implementar.
O São Paulo não marcará com os 10 jogadores no campo de ataque.
Precisará reforçar o sistema defensivo em frente da área ou mais adiante, não muito, de acordo com o posicionamento.coletivo.
Perde qualidade para engessar taticamente
Isso gera outros prejuízos. No 4-2-3-1, o trio de criação contou com Rogério na direita, Pato do outro lado e Ganso entre eles.
Luis Fabiano foi o centroavante. A entrada do veterano e as orientações do treinador enterraram o que o time fazia melhor.
Como não houve a marcação na saída de bola, Pato e Rogério precisaram correr atrás dos laterais do Fluminense.
Antes, os laterais e atacantes dos rivais tinham que marcá-los, ao menos até o time cansar e ser alterado, durante os 90 minutos, por causa da filosofia de futebol 'osorista'.
Isso, obviamente, aumentou o desgaste físico, fez ambos ficarem menos com a bola e escondeu as principais virtudes deles.
O sistema ofensivo perdeu muita mobilidade, cada atleta 'grilou' um pedaço do território de jogo, pois não houve a troca de posições que confundia os marcadores.
A escalação do time foi ruim.
Rogério é destro e gosta de finalizar com a parte de dentro ou com o peito do pé.
Por isso, o ideal é que atue na esquerda ou como falso centroavante, onde pode trocar de função com Pato, que precisa jogar na mesma região do gramado, pois ambos aumentam a velocidade e a quantidade de dribles do time.
Na direita, o ex-Náutico tende a ir à linha de fundo, o que limita, um pouco, suas possibilidades.
Pato, impedido de procurar lacunas no gramado, é mais facilmente acompanhado pelos defensores.
O ideal seria colocar Guizao ou Centurion no lugar de Luis Fabiano para manter a velocidade e as trocas de posições.
Ou escalar Wesley no meio de campo e adiantar o Ganso.
O ex-santista, no esquema tático de ontem, precisa correr muito mais, pois o time retoma a bola mais atrás e a ele é forçado a percorrer maior trecho do campo para chegar na meia e perto do atacante.
Do jeito que Osorio preparou a equipe, muitas vezes já estava na meia, ou mais perto da mesma, quando o sistema defensivo cumpria seu objetivo.
Por isso tudo, o time ficou mais estático e a distância entre os atletas aumentou.
A proposta coletiva de Doriva é similar às que Muricy e Milton Cruz quiseram implementar e não funcionou.
Como Dunga
Thiago Mendes, com Doriva, lembrou Elias sob orientações do treinador da seleção.
Foi à frente apenas depois do 2×0.
Em suma, a dinâmica de jogo, que deveria ser mantida, foi esquecida para a criação de algo comum que pode ser eficaz.
Obviedade
O time tomou o gol de Fred no erro de Luis Fabiano [nem deveria ser titular e terá na Copa do Brasil, provavelmente, a última oportunidade de melhorar sua fraca terceira passagem pela agremiação] e depois, quando saiu para o jogo, ficou exposto ao contra-ataque e Marcos Junior fez 2×0.
Ou seja: foi um clichê conservador daquilo que pauta parte dos problemas do futebol nacional dentro dos gramados. Piorou na criação e na marcação.
Não esboçou, como time, a reação.
Ficou dependente da individualidade.
Simples
Com Osorio, o talento servia o coletivo. Antes e após dele, a habilidade teve e terá que prevalecer, mais vezes, por si.
Apenas depois do 2×0, quando Doriva soltou o time, o São Paulo, apesar de mal escalado para marcar na frente e fechar lacunas, cresceu um pouco.
É cedo para criticá-lo, pois o que ele pretende realizar pode, se for competente, render resultados e algum título.
Mas dificilmente será com futebol ofensivo, se impondo com a bola e atuando, tal qual a expressão sugere, como 'time grande'.
E apenas isso é um enorme prejuízo para quem, tal qual Osorio mostrou, poderia ganhar torneios de outra maneira.
Isso para não citar o aumento do cansaço por causa da obsoleta repulsa ao rodízio de jogadores.