Zidane treinador; a incógnita esportiva e o êxito de marketing
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De Vitor Birner
Florentino Perez se equivocou quando demitiu Carlo Ancelotti e contratou Rafa Benítez. O italiano montou a equipe de acordo com as características do elenco.
Houve pequena oscilação no desempenho durante o mata-mata da Liga dos Campeões, coincidentemente quando o naquele momento instável Barcelona se encontrou e conseguiu o título, por isso foi demitido.
A opção pelo treinador então do Napoli foi um apelo comercial, pois ele sempre afirmou ser torcedor da agremiação da capital. No time B iniciou a carreira como jogador em 74, assim como a de técnico em 86.
Rafa Benítez, por conta uma convicção difícil de ser embasada, abdicou do 4-3-3, com Bale e Cristiano Ronaldo pelos lados do ataque, com flutuação para o 4-4-2 que força o recuo do galês, e tentou implementar o 4-2-3-1, alterou a posição de Isco e em alguns momentos da dupla de atletas mais caros, o que diminuiu a capacidade de criação e não agregou absolutamente nada ao sistema de marcação.
As posteriores tentativas de organizar o time doutra forma pareceram mais correção do que havia realizado que análise das necessidades coletivas, pois fazia questão de colocar a sua marca em vez de simplesmente dar sequência àquilo que o antecessor fez.
Tais erros o fizeram perder a fundamental liderança do grupo de jogadores.
O elenco com atletas técnicos, alguns muito vaidosos, entortou o nariz para o treinador.
Era óbvio que ele receberia o bilhete azul.
Nada indicava que o time engrenaria.
Simbolismo
No empate diante do Valencia, Sergio Ramos, atleta capaz de compreender o peso da camisa que traja, e Cristiano Ronaldo, mais importante que ele apesar de valorizar acima de tudo seus próprios feitos futebolísticos, discutiram no gramado, fato normal em qualquer time.
Posicionado no 4-3-3 e diante do oponente forte no Mestalla, o zagueiro pediu auxílio na marcação, enquanto o português falou que 'eram três atacantes''.
Ora pois: o andamento do jogo determina as ações dos atletas. Não é pebolim (totó), e o artilheiro experiente sabe disso.
Se alguém não correu para marcar como necessário, quem pode cobrir a lacuna se esforça para isso e reclama em seguida. Ficar parado esbravejando é inutilidade arrogante, egoísta e nada funcional.
Com Ancelotti, atuando nesse mesmo esquema, um dos atacantes [Bale era o encarregado] corria alguns metros para trás e compunha o quarteto no meio de campo em frente aos laterais e zagueiros. Depois dele, o time ficou mais fraco coletivamente.
Aposta
Zidane foi dos jogadores taticamente mais inteligentes do futebol moderno. Liderou a Juventus bicampeã italiana, o Real Madrid ganhador da UCL e doutros títulos, e a seleção francesa na sua maior conquista.
Não acompanhei a carreira dele no Cannes e Bordeaux, mas é inegável que tem requisitos para quem pretende investir nele como treinador.
Isso não significa que obterá êxito. Tampouco foram essas virtudes os principais motivos para a agremiação da capital espanhola optar por ele para o cargo.
O desempenho à frente do treinou o Real Madrid Castilla, que disputa a segunda divisão B do país, serviu como estágio.
Ficou na sexta colocação do grupo 2 na última temporada, após 16 vitórias 10 empates e 12 derrotas; na atual, em andamento, deixou o time em segundo lugar após após ganhar 10 jogos, empatar sete e perder apenas dois.
Nada disse é referência inquestionável para avaliá-lo, pois não conhecemos a qualidade do elenco, dos oponentes e, acima de tudo, não teve que liderar atletas renomados, milionários e com ego de tamanho imensurável, como fará de agora em diante.
De qualquer maneira, a aposta do presidente marqueteiro tem embasamento esportivo.
Igual
A política do dirigente é a de investir em contratações de grande impacto.
A sinuca de bico na qual se colocou ao dispensar Carlo Ancelotti e optar por Rafa Benítez o deixou com poucas opções, no meio da temporada, para a função. Os grandes treinadores europeus quase sempre preferem encerrar o ano futebolístico e antes de saírem notificam os clubes disso.
Zidane, por falta de nome no mercado com perfil aprovado pelo presidente, foi colocado como técnico antes do planejado. Como muitos o consideram o melhor jogador do último quarto de século e é idolatrado pelos torcedores da agremiação, o cartola sabia que conseguiria o impacto midiático que tanto ama.
'Barcelonou'
A política de formar técnicos tem muito mais a ver com a agremiação da Catalunha.
Guardiola foi alçado do time B em 2008. Tito Vilanova, o substituto, era auxiliar dele. Tata Martino quebrou a sequência dos formados na agremiação, fez algo similar, inclusive taticamente, aos que Rafa Benítez implementou no adversário. Luis Enrique, da segunda equipe barcelonista, o substituiu para reafirmar a política e estilo futebolístico que geram alegria, em campo, para os catalães.
Vicente del Bosque havia sido o último na capital do país a ser promovido do time B e conseguir resultados convincentes.
Ganhou a primeira oportunidade em meados dos anos 90, como interino, e precisou aguardar meia década, até 99, para assumir como principal treinador. Comemorou duas vezes a Liga dos Campeões.
Depois Carlos Queiroz, José Antonio Camacho, Mariano García Remón [iniciou no Real Madrid Castilla, mas saiu, treinou meia dúzia de agremiações antes de ser recontratado para o time principal] , Vanderlei Luxemburgo, Juan Ramón López [subiu diretamente do Real Madrid Castilla], Fabio Capello, Bernd Schuster, Juande Ramos [foi do Barcelona B], Manuel Pellegrini, José Mourinho, Carlo Ancelotti e Rafael Benítez, na devida ordem, o sucederam.
Não creio que essa política de preparar treinadores será regra na capital. O craque foi escolhido porque atende às necessidades comerciais na janela em que os europeus contratam menos e por possuir currículo elogiável, capaz de fazer Cristiano Ronaldo e alguns olharem de baixo para cima, o que pode tornar menos difícil a implementação de metodologias de treinamentos e a proposta coletiva de futebol.