Blog do Birner

A grande lição do futebol no elogiável ‘jogo sujo’ da Liga dos Campeões

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De Vitor Birner

Aplausos para todos

Quem pretendia assistir ao grande jogo na final da Liga dos Campeões, provavelmente ficou satisfeito com o empenho e a técnica dos atletas, plástica dos lances e dinâmica dentro dos gramado.

A arquibancada plena gerou ambiente que aumenta as emoções de jogadores e torcedores. A sorte com camisa do Real Madrid, o baile que impôs,  o artilheiro mais uma vez brilhando,  a conquista foi cheia de ingredientes.

O elogiável sistema de marcação da Europa desmoronou. Monstros como Chiellini e Buffon nada puderam fazer, Higuaín nem consegui ganhar do ex-clube, nem encerrou a pecha de vice que adquiriu no Mundial e Copa América.

Dessa vez sequer teve momento fácil desperdiçado diante de goleiro.

Em suma, a maior parte dos torcedores aplaudiu o encerramento do torneio.

Grife altera o tom das avaliações

Marcelo estava atrás de Daniel Alves e pisou no pé, ou no tornozelo, do compatriota. O amarelo mais óbvio de todo o jogo não foi mostrado.

Houve faltas duras como a de Cuadrado no Cristiano, em lance similar a alguns que geraram problemas de ligamento e outros tipos de machucados. Navas demorou para repor a bola em jogo quando seu time ganhava, mais atletas catimbaram, reclamaram mesmo sabendo que a regra foi cumprida pelo árbitro, provocaram e investiram nas simulações.

Sergio Ramos, referência e ídolo na agremiação ganhadora, pilar dessa e doutras conquistas, fingiu agressão e cavou a exclusão de Cuadrado.

O próprio Sergio Ramos tinha que receber o amarelo e consequentemente sair de campo.

Ninguém criticou. Ou, se fez, foi mais brando que em momentos similares de torneios menos organizados. O glamour e a elogiável dinâmica dos times absorveram a contundência. O luxo anulou a observação fácil.

Se tudo fosse na Libertadores, a avaliação de tais lances seria rigorosa.  Aqui, o discurso clichê que pauta a nossa nação citaria como exemplo a Europa.

Lição além da organização e técnica

O futebol não é apenas uma disputa de habilidades dos atletas. Além da técnica, há a física, a emocional e a coletiva.

O cérebro tem que orientar os pés. Os grandes líderes são inteligentes dentro de campo. Têm leitura além das brechas para construção de gols e conseguem jogar em todas as frentes para o clube ganhar.

O que citei nos parágrafos anteriores são deste esporte. Inclusive a 'violência',  simulação, irritar o oponente e tentar se impor com personalidade forte.

São características da alma do futebol

Assim que o jogo foi encerrado, houve comemoração dos atletas respeitando os oponentes. Quem perdeu ficou desolado, mas soube que o oponente mereceu ganhar a Liga dos Campeões.

As porradas, xingamentos, provocações e o que muitos avaliam como sujeira são encerrados juntos com o jogo. Nada pessoal é levado para depois.

Ao contrário: aqueles jogadores têm mútua admiração. São competitivos e sabem que as disputas permanecem apenas dentro do gramado.  Entendem como é a dinâmica e curtem o esporte.

Nem tudo é aceitável.

A ética impede a entrada para quebrar o oponente, compra de resultados, a ofensa que se torna pessoal (racismo ou de gênero), porque essas todas são levadas para fora dos campos.

Relembro os esquecidos que futebol é uma atividade lúdica. Tem regras próprias e distintas das sociais. Algumas são distintas das que merecem ser criticadas no cotidiano.

O blefe, por exemplo, para induzir equívocos no cumprimento das regras e ganhar, é normal nesse e noutros esportes.

Assista à NFL ou o futsal.

Recomendo às finais da NBA.

Futebol ensina a perder e a ganhar: a 'apanhar' e a perdoar; a saber limites de imposição; a tirar forças de onde a gente as vezes nem imagina ter,  e a suprimir vaidades e necessidades individuais para fortalecer o coletivo.

Das ruas ao gramado 

É simples saber porque os atletas simulam. A torcida apoia e comemora as conquistas com tais recursos.

No dia em que se entristecer porque ganhou com jogadores forçando equívocos de arbitragem, ninguém mais tentará isso dentro de campo.  Os elencos querem ganhar porque haverá alegria e aplausos.

Imaginar que o futebol será uma ilha de ética no meio da sociedade competitiva e suja, que destila ódio e oferece criticas ferozes para o jogador por uma entrada mais forte e acha comum ter comida estragando na geladeira e casacos nas prateleiras enquanto há fome e o frio nas ruas,  é uma utopia completamente inútil e desprovida de construção coletiva.

Parece mais a invasão do politicamente correto tentando suprimir o perdão em prol do convívio e o fortalecimento da alma do futebol.

O futebol, reitero, é atividade lúdica e competitiva. Aquelas linhas que determinam onde há uma disputa servem para demarcar mais que escanteios, tiros de meta e laterais.

Elogiar Rodrigo Caio é muito fácil  

Me abstrai de escrever sobre o episódio porque o tsunami do politicamente correto, no ápice da intensidade, afoga pessoas, debates e opiniões.

Apoiei a opção do zagueiro. Achei admirável, porque grande parte dos torcedores, tal qual citei antes, foi contrariada e preferia a manutenção do amarelo para o centroavante.

Se tivesse mantido o padrão e se omitido, nem teria minha admiração e nem o criticaria.  Se alguém quer fazer apologia para melhoras, deve iniciar em detrimento do que pertence a si próprio em vez de terceirizar a empreitada.

De preferência sem alarde porque diminuirá o risco de escorregar e transformar em prepotência a generosidade.

Alterar o mundo a partir dos outros é conveniente e confortável.  Repare no momento do país. Raramente encontro quem acha que contribuiu com os problemas, ao eleger ou simplesmente votar no político que não deveria ganhar o cargo. Os que percebem habitualmente se auto perdoam com generosidade que se fosse constantemente distribuída ao coletivo geraria enormes benefícios ao planeta.